O trabalho de um antropólogo é investigar o que as pessoas fazem e em que acreditam. E não o que outras pessoas dizem que elas fazem ou acreditam. (...) Afinal, a opinião de uma buxa deveria ter algum valor, mesmo se não se encaixasse nas opiniões pré-concebidas..

Gerald Brusseu Gardner

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Pagan Studies: uma introdução

Apresento aqui  a resenha de Celso Luís Terzetti Filho, Mestrando em Ciências da Religião – PUCSP sobre o livro de Barbara Jane Davy : Introduction to Pagan Studies. Lanhan, MD, USA: Altamira Press, 2007. 
Este artigo foi publicado no Último andar: cadernos de pesquisa em ciências da religião do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião, PUC-SP. – Ano 1, n. 1 (1998-) – São Paulo: EDUC, 1998-. e pode ser encontrado no link abaixo:


Resumo: A presente resenha tem o objetivo de apresentar o livro de Barbara Jane Davy, Introduction to pagan studies mostrando os principais pontos que fazem da obra uma interessante introdução ao campo de pesquisa conhecido como pagan studies.
Palavras-Chave: Neo Paganismo – Novas religiões – Paganismo – Wicca
 
Abstract: This review aims to present the book by Barbara Jane Davy, Introduction to pagan studies showing the main points that make the book an interesting introduction to the field of research called pagan studies.
Keywords: Neo Paganism - New religions - Paganism – Wicca


   No Brasil ainda é pouco conhecida uma corrente de pesquisa norte americana que desde a década de 70 se dedica exclusivamente ao estudo das religiões pagãs. Para nós é comum a palavra pagão soar estranho no sentido de ser entendida como religião, mas nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e em alguns países europeus o chamado Pagan Studies configura-se como um campo de pesquisa amplo e cuidadosamente estudado. No Brasil os poucos trabalhos que abordam as religiões pagãs tratam-nas como parte de uma religiosidade ao modo New Age. Isso se da pela pouca literatura sobre o tema de que dispomos. Exceto por poucas dissertações e teses, não há no Brasil nenhum livro publicado que trate academicamente o assunto. Nas livrarias encontramos às centenas livros com receitas mágicas, organização de grupos, princípios religiosos, principalmente na vertente da wicca, a religião criada na Inglaterra na década de 50 pelo funcionário público inglês aposentado, Gerald Gardner, mas não temos uma única publicação com uma análise acadêmica sobre o assunto. Esta situação pode estar no fato de que os grupos pagãos, ou como preferem alguns, neo-pagãos (vale colocar que não existe um consenso sobre a terminologia correta), não encontram nenhum tipo de tensão em nossa sociedade, o que faria com que houvesse um desinteresse por parte dos nossos pesquisadores. Nessa perspectiva os estudos pagãos teriam se desenvolvido principalmente na América do Norte em decorrência de certas tensões sociais, O historiador britânico Ronald Hutton, autor do livro mais completo sobre a história da wicca na Inglaterra descreve que foi os Estados Unidos e não a Grã Bretanha (apesar de a wicca ter surgido em solo britânico) que se tornou desde a década de 70 o centro do paganismo moderno” (HUTTON, 1999, p.340) Esse desenvolvimento do paganismo nos Estados Unidos é brilhantemente analisado pelo professor Chas Clifton da Universidade do Estado do Colorado em seu livro Her Hidden Children: The Rise of Wicca and Paganism in America (2006), livro que faz parte de uma série intitulada pagan studies juntamente com o livro aqui apresentado de Barbara Jane Davy e também Researching Paganisms de Jenny Blain, Douglas Ezzy e Graham Harvey. Em solo americano o paganismo ganha sua principal característica moderna e que segundo Ronald Hutton (1999, p.341) é sem dúvida a mais significativa, a noção de uma espiritualidade feminina. Para o historiador britânico era inevitável dentro do contexto americano do final da década de 60, onde estava em desenvolvimento vários movimentos feministas, que houvesse uma apropriação da imagem da deusa como sinônimo de poder da mulher por parte das feministas mais radicais. Essa foi uma influência observável primeiramente através de uma organização chamada W.I.T.C.H (Women’s International Conspiracy from Hell) formada em Nova York no ano de 1968. Essa organização possuía um manifesto que dizia que a bruxaria era uma religião antiga detectável em toda Europa pré-cristã. Segundo Hutton (1999, p.341), “até metade da década de 70 a visão que se tinha da bruxaria era expressa através das influências de duas escritoras que tiveram grande importância para o movimento feminista no século XX, a teóloga Mary Daly e a escritora Andrea Dworkin” Como podemos perceber os Estados Unidos tem motivos práticos para estudar o paganismo.
     Para que possamos entender melhor ao que se referem os pagan studies e o livro de Barbara Jane Davy é necessário esclarecermos o conceito de paganismo. O termo pagão é comumente comparado à um guarda-chuva pelos pesquisadores. Chas Clifton e Grahan Harvey (2004, p.2) descrevem que o termo abrange várias religiões ou movimentos espirituais em que os praticantes são inspirados por tradições indígenas e pré-cristãs. O paganismo ou neo-paganismo também se refere à bruxaria, wicca, Arte ou Antiga Religião (MANNING, 1996, p.302) Sendo assim o que seriam os pagan studies? Acreditamos que o livro de Barbara Jane Davy é a resposta para entendermos de maneira clara este campo de estudo praticamente inexplorado no Brasil.
     Barbara Jane Davy é doutora em Religião pela Universidade de Concordia, Montreal. Ela tem se dedicado aos estudos pagãos há mais de dez anos, escrevendo artigos sobre paganismo, xamanismo e também pesquisando na área de filosofia e meio ambiente com enfoque na ética de Levinas. Foi presidente da E.S.A.C (Environmental Studies Association of Canada) e faz parte desde 1997 da American Academy of Religion. Davy apresenta em seu livro os conceitos, visões de mundo, organização, crenças e vários outros elementos do paganismo, A relevância deste livro para nós cientistas da religião e pesquisadores brasileiros é a de nos introduzir no debate contemporâneo acerca das pesquisas sobre o paganismo e todas suas variações. Hoje o repertório teórico e acadêmico de que dispomos para o estudo dessas religiões e religiosidades nos levam a entender essas formas de religião como N.M.R (Novos Movimentos Religiosos). O que é interessante sabermos é que grande parte das pesquisas dentro do pagan studies tendem a entender o paganismo como uma religião e não mais como um N.M.R. Podemos até mesmo antecipar a conclusão de Barbara Jane Davy para melhor ilustrarmos essa posição de muitos acadêmicos neste campo de estudo. Segundo a autora (2007, p.217) “a comunidade acadêmica está no caminho de reconhecer o Paganismo como uma religião de direito entre outras religiões do mundo.
     Depois de sessenta anos, argumenta ela, o paganismo contemporâneo não pode mais ser visto nem de longe como um Novo Movimento Religioso, mas uma religião mundial”.
     Para comprovar sua conclusão e de outros tantos pesquisadores, Davy apresentará de forma sucinta ao longo das duzentas e quarenta e três páginas de seu livro, o que é o paganismo e o que seria o pagan studies. Davy divide o livro em onze capítulos que abordarão de maneira abrangente os traços mais comuns existentes entre as várias tradições pagãs. O destaque maior fica com os elementos presentes na wicca, devido ao fato de ser a mais conhecida e a mais praticada. Os textos também são ilustrados por fotos que retratam altares, vestuários, pessoas e locais. É um livro de fácil leitura que possui um viés introdutório, recomendável não só para quem pesquisa na área como para aqueles que não estão familiarizados com esse campo.
     No primeiro capítulo a autora descreve e discute as crenças, no que os pagãos acreditam, cosmologia conceitos de teologia e tealogia, este último seria a forma feminina de Theo, ou seja Thea. Além dos significados de politeísmo, animismo e xamanismo, todos relativos ao universo do Paganismo. No segundo capítulo é apresentada e discutida as formas de organização social. Nesse capítulo Davy vai chamar a atenção para a questão do repúdio do paganismo à institucionalização, formas hierárquicas, autoridades e estruturas. Também mostra como as criticas pagãs a essas formas de organização apresentam-se em alguns grupos com certa ambigüidade. Outro ponto abordado é o da individualização relativo ao praticante solitário, uma forma de adepto que não está ligado a nenhum grupo. Davy (2007, p.45) também descreve que “a wicca e o Paganismo tendem a sofrer um processo de rotinização mas não como das religiões monoteístas e sim como concluiu Helen Berger, que comparou a rotinização da wicca com os escritos sobre rotinização carismática de Weber. Helen Berger mostra que para Weber os ensinamentos do líder carismático ou profeta são padronizados e codificados por seus discípulos, no paganismo, contudo, espera-se que uma administração competente contribua para a padronização das práticas religiosas através de variados meios, como organização de festivais, encontros, jornais, etc”. Nos terceiro e quarto capítulos o foco é nas práticas e rituais, datas festivas, ritos de passagens, casamentos, nascimento, etc. Neste capítulo um ponto interessante que vale destacar é sobre a diferença entre magia e religião. Davy mostra como a religiosidade moderna dos pagãos derrubou por terra a idéia de que estes dois conceitos se anulam, e que a magia seria uma degeneração da religião, apenas uma forma de superstição, onde a finalidade seria apenas prática ausente de princípios, como bem ou mal. Davy descreve que para o pagão a magia faz parte de sua prática religiosa, e que serve para o crescimento pessoal e auto-expressão, sendo assim, eles não crêem na concepção de magia como se pudessem cria uma coisa do nada. No quinto capítulo a autora se debruça na análise do paganismo com relação a sua história e seus mitos. Questões históricas que foram objeto de controvérsias entre estudiosos e praticantes do paganismo, os primeiros mostrando os pontos falhos de teorias que buscavam uma continuidade com religiões antigas, os segundos buscando esses vínculos para uma legitimação de suas crenças. No capítulo seis, Davy faz uma descrição e análise das obras literárias que tiveram maior influência no desenvolvimento do paganismo, abrangendo figuras de diversas áreas, como poetas, ocultistas, romancistas, cientistas e antropólogos. O sétimo capítulo continua apresentado algumas figuras mais importantes do universo pagão, com destaque ao contexto pós-segunda guerra, começando com Gerald Gardner na Inglaterra e chegando a Scott Cunningham nos Estados Unidos. Discute também a influência desses autores como líderes carismáticos do movimento pagão. O oitavo capítulo nos fornece uma introdução às características especificas de algumas denominações e tradições pagãs, como por exemplo, a wicca, Asatru, eclética, solitária entre outras. O capítulo nove discute as posturas éticas, políticas e suas relações com as práticas mágicas. Tendências políticas, apropriações culturais e sexualidade são alguns dos muitos pontos discutidos. No décimo capítulo o foco são as discussões já brevemente mencionadas entre estudiosos e praticantes sobre a idéia de continuidade, como por exemplo a existência do coven86 de New Forest87. Ainda neste capítulo Davy nos apresenta os debates mais atuais envolvendo pagãos, como questões referentes a atividades públicas, drogas, etc. Também trata do crescimento do paganismo na internet e a influência da rede na religiosidade dos praticantes, assim como os trabalhos e pesquisas acadêmicas que abordam a relação da internet com o paganismo88, além de analisar o modo como é apresentado e como se apresenta o paganismo na mídia. O capítulo onze esclarece a importância do pagan studies. Davy primeiramente faz uma descrição e uma análise da literatura e pesquisas produzidas desde a década de 70, mostrando através da história do pagan studies os métodos de pesquisa, questões futuras e os possíveis desdobramentos no desenvolvimento deste campo de estudo. Aqui é importante fazer algumas observações, pois acreditamos que as questões colocadas pela autora são de grande importância para nossa área e também para um possível campo de estudo novo no Brasil. Davy nos mostra que livros sobre paganismo já circulavam nos Estados Unidos desde a década de 60, uma literatura mais voltada para uma espécie de guia prático, com rituais, receitas de feitiço, parecido com a literatura que temos disponível em português hoje no Brasil. Num segundo momento escreve Davy, o paganismo começa a aparecer em publicações voltadas para a classificação e apresentação de novos movimentos religiosos, aqui Davy destaca autores como J. Gordon Melton e Robert Ellwood’s, ambos apenas descrevem o paganismo como um N.M.R. Até o começo da década de 70 o paganismo se configurava como sendo apenas um novo culto dentro do universo New Age. Mas em 1979 com o lançamento de Drawing down the moon: witches, druids, Godess-Worshippers, and Other Pagans in America Today. de Margot Adler tem começo uma nova delineação de estudos sobre o paganismo, os primeiros autores são em sua maioria praticantes ou simpatizantes do paganismo, mas também são pesquisadores, como é o caso de Adler que além de praticante é jornalista. Nesse contexto surge a discussão que é analisada por Davy de forma clara, a questão dos insiders e outsiders no desenvolvimento das pesquisas. Mais tarde começam a aparecer os primeiros trabalhos acadêmicos em que os autores são apenas pesquisadores, alguns trabalhos, como por exemplo o do historiador Ronald Hutton serão alvo de criticas, pois muitos pagãos irão acusá-lo de estar fazendo um estudo de gabinete, como se fosse um estudo colonial. Mas estas criticas não apagam o brilho do trabalho de Hutton, nem de outros pesquisadores, pois os pagan studies cada vez mais vão ganhando espaço no mundo acadêmico. Davy também discute neste capítulo alguns métodos de pesquisa, aponta alguns aspectos que ela considera como prós e contras da pesquisa participativa. Para ilustrar alguns problemas de pesquisa ela relata alguns fatos que aconteceram com pesquisadores famosos deste campo. Ela descreve o caso da conceituada antropóloga e psicóloga Tanya Luhrmann que foi acusada por um grupo de pagãos de ter se beneficiado deles através de falsas pretensões, o que os deixou irritados e sentindo-se traídos ao verem muitos de seus segredos revelados em sua tese de doutorado que foi defendida em 1986 e publicada em 1989 com o título de Persuasions of the Witch's Craft.
 
 CONCLUSÃO

     O livro de Barbara Jane Davy é daqueles poucos que conseguem atingir de maneira satisfatória e efetiva o objetivo que pretendem, no caso aqui, ser uma introdução. Através da leitura de Introduction to pagan studies vemos o quão distante estamos dos debates acerca do paganismo e seu leque de religiões reconstrucionistas, mas também ao mesmo tempo que vemos ao longe, é as Ciências da Religião com seu repertório metodológico, sua leitura e enfoque mais abrangente que nos pode aproximar como uma luneta o que está distante. Sem dúvida o livro de Barbara Jane Davy é uma excelente contribuição à nossa área. Vale aqui lembrar as palavras de Hans-Jürgen Greschat (2005, p.155-156):
Os cientistas da religião optam pela pesquisa de uma determinada religião. Pode ser qualquer uma – potencialmente, a escolha é ilimitada em termos históricos, geográficos ou tipológicos. Há apenas um critério que reduz o espectro dos seus possíveis objetos de estudo: a própria incompetência.    
   
        BIBLIOGRAFIA

CLIFTON, Chas; HARVEY, Graham (eds.). The paganism reader. New York, USA: Routledge, 2004.
DAVY, Barbara Jane. Introduction to Pagan Studies. Lanhan, MD, USA: Altamira Press, 2007.
GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é Ciência da Religião? São Paulo: Paulinas, 2005.
HUTTON, Ronald. The triumph of the moon. A History of Modern Pagan Witchcraft. New York, USA: Oxford University Press, 1999.
MANNING, Christel J. Embracing Jesus and the Goddess: Towards a Reconceptualization of Conversion to Syncretistic Religion. In: LEWIS, James R. (ed.) Magical Religion and Modern Witchcraft. Albany, USA: State University of New York, 1996.

Notas:

86 Termo usado para definir o grupo de bruxas.
87 O coven de New Forest é provavelmente, segundo Aidan Kelly e Ronald Hutton, uma criação de Gardner, que disse ter sido iniciado neste coven por uma bruxa chamada Old Doroty.
88 O livro “Cyberhenge: Modern Pagans on the Internet”(2005) do professor Douglas E. Cowan é um exemplo interessante da diversidade de enfoques que podem ser estudados no campo dos estudos pagãos.

2 comentários:

  1. Olá Liziane, espero que seu blog contribua para despertar e ampliar o interesse desse campo de pesquisa tão rico e tão desconhecido em nosso país.

    Abraço

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  2. Muito bom o post, continue assim, vou sempre estar aqui ^^

    Fiquei com muita vontade de ler o livro ^^


    Beijos

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